O Andrew Scheps é uma das minhas maiores referências de geek em mixagem. Um engenheiro que sabe muito de tudo do áudio, é extremamente técnico e artístico ao mesmo tempo. Tem um jeito bem humorado de falar e explica tudo com propriedade e contexto. Seu template é tão bem elaborado que ele chega à genialidade de organizar cores para os canais de forma a facilitar a leitura rápida e ainda não ser fatigante para os olhos! É mestre da compressão paralela a ponto de assinar um plugin da Waves chamado Paralel Particles—aquele que parece o capacitor de fluxo do Delorean.
Pois agora Scheps está dando um passo extremo, como uma declaração final: simplesmente colocou TUDO à venda. Trocou escandalosamente o hardware pelo software. Como quem diz: é isso, não precisamos mais de toda essa tralha! Já conseguimos fazer isso num aparelho de 3kg.
Não é de hoje, mixou alguns dos álbuns mais vendidos da última década usando exclusivamente plugins, e isso inclui bandas antigas como Black Sabbath, Red Hot Chilly Peppers, Green Day entre outros…
Usei o template do ProTools dele por muito tempo e hoje forma parte do meu workflow e do meu jeito de produzir e construir sons nas mixes. Pensando bem, eu migrei do Logic para o ProTools por causa dele.
Aliás, curti saber que tinha quase todos os plugins que ele usava no template, uma parte da minha coleção que vem crescendo há mais de 10 anos. Dica: compre seus plugins, os melhores não tem crack, e a sua relação com eles será outra; é muito amor envolvido no som de cada um.
Acontece que estamos em 2020 (eu sei, mas não vamos desviar do assunto), os computadores domésticos já são capazes de tamanho processamento que permite navegarmos por uma maquete completa e detalhada do Empire State Building. Imagina uma maquete detalhada de um hardware, um canal de uma mesa Neve, por exemplo. É disso que se trata as emulações que estão sendo feitas hoje em dia, são modelos 3D de cada componente do circuito, com praticamente todas as características, qualidades e defeitos da peça original. Soma-se a isso um controle de qualidade excepcional dos fabricantes, em que usuários renomados dos equipamentos participam e colaboram com feedbacks, e você tem uma cópia “viva”, perfeita, idêntica, dentro do seu laptop! E o melhor: por uma fraçãozinha do preço, e ainda sem dar manutenção. (Vale sempre lembrar que manter um estudio é uma grana! Basta um equipamento dar pau pro orçamento do mês inteiro ir pro saco—quem tem sabe que o bagulho vai ficar estacionado um tempo até chegarem as peças.)
Michael Brauer, outro dos maiores nomes da mixagem do mundo, há tempos declara entusiasmado que a tecnologia em breve será capaz de substituir todo o arsenal de hardwares que ele coleciona há décadas. Já aposentou alguns equipamentos que foram lançados em plugin, como o Culture Vulture, da UAD, e usa frequentemente plugins há muitos anos. Pois recentemente escolheu deixar o famoso Electric Lady Studios em NYC, trocando os 72 canais da sua mesa SSL 9000J por um controlador Euphonix (basicamente um mouse em forma de mixer), num sistema híbrido em que usa plugins no lugar da mesa de quase 1M de dólares. “Eu alternava entre mesa e plugin de olhos fechados e não conseguia dizer a diferença, se estava na mesa [que usei por 30 anos] ou no plugin!” declara ele rindo empolgado.
O produtor Jaquire King (Kings of Leon) num vídeo da marca Universal Áudio, grava uma banda dividindo o mesmo sinal entre hardware e a sua emulação em plugin e, afora uma mini diferença ou outra (porque nenhum hardware é igual ao outro, e a emulação foi feita em outro hardware), o som era a mesma coisa. Ou seja, o público geral jamais vai saber a diferença, e aposto um rim que pouco se importam.
Outro super nome que vem desde os anos 80 que hoje só trabalha in the box é Tchad Blake, responsável pelo clássico instantâneo A.M. dos Arctic Monkeys (tudo no computador). Até mesmo o renomado produtor brasileiro Kassin disse numa entrevista ao canal @baixonatural no Instagram, ao ser perguntado sobre sua preferência entre analógico e digital, comenta que tem um monte de equipamentos porque era o que tinha na época, mas se tivesse 19 anos, um laptop e uma placa de áudio já seriam suficientes, e completa brilhantemente “o que faz as coisas serem grandes são as pessoas, não são os objetos. O objeto pode te ajudar em uma porção de coisas, mas é a pessoa que tem a capacidade […] a idéia é o que vale”
Ainda assim, o mundo do áudio foi feito de hardwares muito antes dos plugins, e os preconceitos com as novas tecnologias despertam emoções ferozes em qualquer discussão. Assim foi com a chegada da guitarra na música popular brasileira, assim foi com o CD sobre o vinil, assim será com tudo um tanto. Tudo bem…
Fato é que Andrew Scheps está vendendo TODO seu equipamento. Será que isso não diz o bastante?